terça-feira, dezembro 08, 2009

As cidades invisíveis ³

AS CIDADES E O NOME 5
"Irene é a cidade que se vê na extremidade do planalto na hora em que as suas luzes se acendem e permitem distinguir no horizonte, quando o ar está límpido, o núcleo do povoado: os lugares onde há maior concentração de janelas, onde a cidade rareia em vielas mal iluminadas, onde se acumulam sombras de jardins, onde se erguem torres com fogos de artifício; e, se o entardecer é brumoso, uma claridade anuviada infla-se como uma esponja leitosa aos pés da enseada.
Os viajantes do planalto, os pastores que transumam os armentos, os passarinheiros que vigiam as redes, os eremitas que colhem raízes, todos olham para baixo e falam de Irene. Às vezes, o vento traz uma música de bumbos e trompas, o crepitar de morteiros na iluminação de uma festa; às vezes, o alarido da metralhadora, a explosão de um paiol de pólvora no céu amarelado dos incêndios ateados durante a guerra civil. Os que olham lá de cima fazem conjeturas sobre o que está acontecendo na cidade, perguntam-se se encontrar-se em Irene naquela tarde seria bom ou ruim. Não que tenham intenção de ir - e, de qualquer modo, as estradas que descem ao vale são ruins -, mas Irene magnetiza olhares e pensamentos de quem está lá no alto.
A esta altura, Kublai Khan espera que Marco diga como é Irene vista de dentro. E Marco não pode fazê-lo: não conseguiu saber qual é a cidade que os moradores do planalto chamam de Irene; por outro lado, não importa: vista de dentro, seria uma outra cidade; Irene é o nome de uma cidade distante que muda à medida que se aproxima dela.
A cidade de quem passa sem entrar é uma; é outra para quem é aprisionado e não sai mais dali; uma é a cidade à qual se chega pela primeira vez, outra é a que se abandona para nunca mais retornar; cada uma merece um nome diferente; talvez eu já tenha falado de Irene sob outros nomes; talvez eu só tenha falado de Irene."
Italo Calvino

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